Remetido pelo Escritor Camarense José Bornéo, transcrevo para leitura este belo poema em forma de crônica...
OS PERDIDOS
Navegam
as emoções nos escaninhos da vida ...
Um
beijo vale tostões
na
dignidade esquecida.
Prazeres
não são apenas prazeres:
são
mecanismos pró-tempore,
formas
de esquecer dissabores.
Corpos
são armas:
brinquedos
sutis;
cascas
revestindo perdedores.
Restam
faíscas humanas ... na devassidão da indecência,
onde
apenas se observam refugos das essências humanas,
aviltando
nossa decadência.
No
fundo somos iguais:
nem
maiores nem melhores,
Apenas
almas errantes,
que
se buscam ansiosas,
na
procura de se encontrar,
para
dividir os caminhos de sinais tortuosos.
Ao
entrar no bar eu os vi: ele entornava um copo contendo uma bebida qualquer; ela
parecia ausente, vivendo momentos distantes de um mundo diferente.
Sua
figura demonstrava traços de uma beleza antiga que, provavelmente, havia se
deteriorado através de um conjunto de situações, de uma vida mal vivida, onde o
corpo fora alvo de agressões e prazeres em constante alternância. O homem não
demonstrava emoções. Sua aparência derrotada destilava o reflexo de tudo que a
sociedade condena e não deseja expor aos seus ilustres membros.
Observador
atento, eu me fixei naquelas figuras diferenciadas, até mesmo porque o ambiente
nada mais oferecia de interessante. Ao contemplá-los busquei identificar o que
os unia: a desgraça ? A miséria? Ou a dor de ainda existirem, apesar de seus
esforços destrutivos? O que buscavam e quais seus desejos de maior imediatismo?
Impossível decifrá-los nada diziam e seus gestos desleixados os faziam parecer
isolados do mundo ao redor. Nada me fazia crer a existência de vontades
naqueles dois seres. Um bebia, talvez esgotando o amargor da taça da vida, o
outro, a dama (dama ?) apenas observava
o nada, o longínquo e distante nada ... Quem sabe seus pensamentos criavam
imagens de saudades, de futuros dias, ou... simplesmente estavam imóveis, em
cega contemplação.
Olhando
ao redor, eu conseguia ver o vazio do ambiente, disfarçado apenas por um
distraído garçom vestido com algo encardido, que em outras eras teria sido um
paletó branco. Ele ficava no seu reduto, o também encardido e gorduroso balcão,
que no momento se parecia com um fortim inexpugnável, onde só poderiam entrar
privilegiados convivas.
O
som? Ah, sim, o som! Ele existia, vindo de um aparelho qualquer, que já devia
ter tido melhores épocas, ouvia-se uma música indefinida e dissonante. De
qualquer forma não importava, pois nenhum de nós lhe dava importância, tão
voltados aos nossos "não afazeres" do momento.
O
tempo, indefinido, como todas as outras coisas, não contava, apenas deslizava
na sua impessoalidade muda. As luzes ajudavam a transformar o ambiente numa
caverna que abrigava seres estranhos e fugidios, que buscavam o abandono e o
anonimato como se não pertencessem ao mundo dito normal.
Em
algum momento algo de novo aconteceu, as atitudes do casal se modificaram,
parecendo-me observar um maior dinamismo em suas atitudes. O homem abandonou o
copo e aproximou sua boca do ouvido da mulher, sussurrando-lhe por instantes
algumas palavras, que sem dúvida causaram efeito imediato, pois ela modificou o
olhar perdido, voltando-o para ele. Suas sobrancelhas arquearam-se, como se
duvidasse do que ouvia, mas num quase imperceptível movimento, houve um aceno
afirmativo.
Sua
mão depositou-se na mão do companheiro e seu corpo pareceu firmar-se de forma
mais ereta, demonstrando um resquício de orgulho, talvez outrora existente.
Já
não me parecia estar vendo apenas dois fracassados perdendo-se em devaneios e
vícios, entregues a sorte e ao destino incertos. Os cigarros acesos iluminavam
novas formas e até acreditei estar a ver novas faces, que exprimiam um sopro
maior de vida, relances de um fulgor esquecido, naqueles corpos combalidos
pelas vicissitudes do tempo e do mundo.
Levantaram-se
ainda de mão dadas e seus passos trôpegos os conduziram ao balcão, onde
deixaram meia dúzia de trocados. Dirigiram-se para porta e, sem olhar para
trás, seguiram pela noite escura, em qualquer direção, em rumo ao incerto.
Minhas
visões se perderam mas, dando asas a minha imaginação, pensei vê-los embalados
em sonhos e prazeres, mesmo que por breves momentos, esquecidos de todo o
resto. O mundo que eu vira estava por terminar, restavam no bar apenas duas
figuras de interesses distintos: o garçom, esvaziado pela mesmice de sempre,
desinteressado do vazio que o circundava. O outro? Era eu, para quem nada mais
restava enxergar. Somente poderia olhar para dentro de mim mesmo, onde veria o
espelho,... espelho, que acabava de refletir minha completa solidão.
Bornéo - 2012
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